arqueologia do vazio: um percurso pelo contra-arquivo de um lugar apagado
apresentação em conferência (Junho 2021)
Comunicação apresentada na Conferência Pensar a cidade através da fragmentação e da reconfiguração: Desafios estéticos e conceptuais realizada no Colégio Almada Negreiros - NOVA FCSH. O livro de resumos da conferência pode ser lido neste link.
Resumo: “Isto foi a mesma coisa que pegar numa bomba e meter aqui. E depois os estilhaços ficaram todos separados.”
Ana Santos, autora da fala citada acima, morava no São Vicente de Paulo, um dos bairros sociais mais antigos do Porto, construído na década de 1940 na zona oriental da cidade. Após a demolição do conjunto, no começo dos anos 2000, Ana e seus antigos vizin- hos foram separados e realojados em diferentes bairros camarários. A remoção encontrou forte resistência desses moradores, que até hoje parecem enfrentar um processo de luto coletivo pela perda da casa e da comunidade. No descampado aberto pela demolição do conjunto, pouco mais restou do que alguns vestígios das antigas construções. A aparente nulidade do espaço, um vazio tomado por vegetação ruderal e pontuado por alguns escom- bros, quase não deixa antever o que terá existido ali. A fala de Ana fornece uma pista para pensar a demolição como uma operação violenta de decomposição do espaço, tanto em sua dimensão &ísica quanto imaterial e simbólica. Como olhar, então, para um lugar onde já “nada” existe? Como ensaiar recompor, pela prática artística, os fragmentos dispersos pela destruição? Para Didi-Huberman, olhar as coisas de um ponto de vista arqueológico corresponde a comparar o que se vê no presente, o que sobreviveu, com o que se sabe ter desaparecido (2017, p. 41). “Para saber descon!ar do que vemos, devemos saber mais (...), apesar da destruição, da supressão de todas as coisas”, para que estas comecem “a nos olhar a partir de seus espaços soterrados e tempos esboroados” (2017, p. 61). A tarefa de arque- ologia do vazio responderia, então, à descon!ança diante da ausência materializada pelo descampado. Investigar o vazio com um olhar arqueológico consistiria em escavar os seus estratos para desvelar os vestígios e as tensões latentes, buscando sublinhar movimentos passados, expectativas futuras e dinâmicas ativas no presente. A proposta de comunicação pretende explorar a investigação artística desenvolvida a partir do descampado do antigo bairro por meio do projeto “Arqueologia do vazio” (2019), um percurso pelo terreno mediado por som e imagem. Neste articulam-se dois métodos de trabalho, a caminhada e o arquivo, para reunir e remontar materiais heterogêneos em conexão com o espaço. Diante do vazio e da presença lacunar do bairro no arquivo o!cial da cidade, busca-se apresentar um contra-arquivo do lugar pelo cruzamento das diversas temporalidades que povoam o sítio, das imagens e narrativas dos antigos moradores. [Flora Paim]